Coronavírus — a visão de um internacionalista sobre a pandemia

@sarahaqueiroz
5 min readApr 14, 2020

A perspectiva econômica não anda nada bem, a perspectiva da saúde não anda nada bem e como boa leiga, decidi literalmente pedir ajuda para os universitários, para opinarem com base em sua perspectiva como o Brasil irá se comportar a partir do surto da Covid-19.

As respostas tem sim opinião pessoal e existem para que possamos ter um diálogo saudável e construtivo. Nesse momento, estar certo ou errado para mim me parece algo superficial, deveríamos estar focados em encontrar soluções plausíveis e saudáveis para as formas de trabalho, formas de disseminação das informações e como nos reerguermos enquanto comunidade.

Conversei com meu amigo e internacionalista Eduardo L. Mazzafera, ele foi super solicito e tirou um baita tempo para me responder.

Para elaborar as perguntas eu conversei com minhas amigas e tentei deixá-las de uma maneira clara e pontual.

Qual a expectativa para o Brasil com relação a economia após a pandemia?

Eduardo: “Talvez o mais importante, e o mais difícil, é aceitar que qualquer previsão ou cenário possível é bastante incerto. A situação é bastante singular — olhar para a história de outros desastres naturais, até mesmo outras pandemias ajuda, é claro, mas parece ser consenso, principalmente entre cientistas sociais de todos os tipos, que não há, exatamente, uma previsão acertada.

Dito isso, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) publicou (30/03) diferentes projeções para o PIB brasileiro em diferentes situações de isolamento. Antes de apresentar os dados, a análise dos possíveis cenários é dependente de uma conjuntura específica — vale lembrar, a crise de 2008 ainda apresentava impactos na economia global, e a economia brasileira não demonstra um crescimento expressivo antes da crise do Covid-19 (2% para o final de 2019).

Na previsão de isolamento até o final de abril, o PIB encerraria com uma variação negativa de 0,4%, para dois e três meses, -0,9% e -1,8%, o IPEA ainda sustenta a hipótese de uma recuperação parcial no terceiro trimestre do ano.

Ainda sim, o impacto das medidas anticíclicas — políticas econômicas que visam enfrentar, no caso amenizar, os efeitos de um determinado ciclo econômico — o grande efeito da crise, número de mortes, efeitos em outras economias, nas cadeias de produção global, assim como uma miríade de outras variáveis que podem influenciar a economia, ainda podem (e vão) alterar qualquer previsão macroeconômica.

Para entender todas as possibilidades avaliadas pelo Ipea, é possível acessar o compreensivo relatório no site da instituição.”

Como você acha que essa crise vai influenciar a nossa relação com outros países estrangeiros, tanto da América do Sul, Ásia, Europa e América do norte?

Eduardo: “Acredito que a maneira mais segura de responder a pergunta seria aceitar a previsão de mudança das nossas relações sociais, entre Estados, na economia e política globais. Como provavelmente você já ouviu falar, a crise do Covid-19 irá alterar o mundo como o conhecemos.

Há, em primeiro lugar, um importante alerta sobre a mudança do comportamento dos Estados em relação às suas próprias populações — um aumento da vigilância, dos nacionalismos, de medidas autoritárias são riscos que corremos e que devemos ter em alerta. O mesmo pode ser dito sobre a legitimidade e a segurança que as populações depositam nos governos de seus países — também, em valores democráticos e na própria ideia do Estado-nação.

As respostas dos diferentes países será fundamental para responder essas questões. China e Coréia do Sul, por exemplo, parecem apresentar as respostas mais eficientes à crise, enquanto os Estados Unidos demoraram a agir, prejudicando ainda mais sua imagem de “líderes do mundo” — talvez isso signifique que a, já prevista, mudança de poder ocidente para oriente seja mais veloz.

O mundo de amanhã parece mais empobrecido, com governos maiores e mais poderosos; estas possibilidades apontam, também, para uma instabilidade em questões de segurança internacional — assim como, estranhamente, as raízes, fraquezas e forças da hiperglobalização também estão escancaradas. Para um comentário final, lembro-me da Teoria da Interdependência, uma famosa teoria das Relações Internacionais desenvolvida por Keohane e Nye.

Nela, o conceito de interdependência, da influência de políticas globais, das profundas conexões entre os diferentes países do mundo são exploradas, fala-se de uma “Sociedade Internacional”, as instituições internacionais são instrumentos de barganha e a política internacional é uma mesa de negociações. Dois conceitos são apresentados de maneira a discutir a manifestação do poder neste cenário: Sensibilidade e Vulnerabilidade. A sensibilidade é o potencial de resposta de um país, quanto a política de um país pode influenciar a de outro (pense nos Estados Unidos, alterando sua política de juros e remodelando a economia global), enquanto a vulnerabilidade é o quanto um ator é capaz de enfrentar as mudanças do cenário internacional, imagine a China ou a Rússia enfrentando os Estados Unidos e causando uma guerra econômica, como se vê.

O exercício destes conceitos na arena internacional será recorrente, e, talvez mais importante, quando o mundo parecer estável novamente, qual será o estado do espírito humano?”

Qual a expectativa para o Brasil com relação as nossas relações sociais após a pandemia? Qual a sua opinião com relação as medidas provisórias tomadas pelo Bolsonaro? Do ponto de vista de um internacionalista, qual seria a melhor postura de um governo perante uma pandemia?

Eduardo: “A preocupação mais urgente existe em duas frentes: a resposta do executivo e seus efeitos, e os resultados do isolamento do Presidente para a democracia brasileira.

Explico: os países primeiro afetados pelo Covid-19 são exemplos importantes (aqui, tomo as opiniões de virologistas e especialistas da área como base) de como a crise irá se comportar por aqui — nesse sentido, a resposta do governo brasileiro, tanto econômica como sanitária-securitária, parece desastrosa.

Seguir os exemplos da Coreia do Sul (testes massivos para controle da população), da China (a rapidez com que se impôs o lockdown), assim como evitar o exemplo dos Estados Unidos (Nova Iorque está sendo duramente afetada, com o governador declarando ter que usar respiradores manuais em pacientes impossibilitados de respirar) é fundamental.

É preciso identificar o quanto o isolamento social, nossa única e segura medida (ao menos por enquanto) está sendo respeitado, e qual será o impacto da paralisação do sistema de saúde em número de mortes.

Ainda sobre, já começa-se a desenhar um novo impeachment o que colocaria outro Presidente-tampão até que uma nova eleição aconteça (importante ressaltar: caso seja possível). Talvez, o mais seguro, seja esperar pelo desenvolvimento da crise a partir de 2020, quando os especialistas apontam para a real exposição da crise no Brasil. Fiquem em casa.

Vamos manter a calma e fazer a nossa parte

Não, não temos uma resposta certeira sobre o que será de nós a partir dessa crise pandêmica. E tenho certeza que assim como eu, muitos estão se sentindo perdidos e um pouco desesperançosos. Acredito que esse seja o momento para nos unirmos como nação, independente de nossos interesses pessoais — que são muitos — e analisarmos o quanto o estilo de vida que estamos levando é sustentável, economicamente e ambientalmente falando, para o planeta e para a sociedade que queremos construir.

Esse momento representa para mim, o momento de parar, analisar e estar. Refletir sobre como as minhas atitudes e as da minha comunidade impactam o outro — você no caso. Se você pode fazer isso, já estará fazendo muito e até essa crise passar, fique em casa se possível e se não puder, faça das medidas preventivas uma rotina.

Um beijo da nega!

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@sarahaqueiroz

feito com vários amores and sabores. I'm Brazilian and Italian but I also speak and published in English. linktr.ee/sarahaqueiroz